quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

mineiro.

Como se fosse um labirinto, em eterna busca de si mesmo. "Vai João, busca o que é seu!" O mundo acabou e nem a baleia salvou, seu amigo morreu, a geleira derreteu.
Tomou conta do passo, um a cada tempo, à sua marcha. Pensou, elouqueceu e viu que os muros eram altos, ao tentar pular ficou em cima, abriu os braços, clamou aos céus.
Salvou-se, iluminou-o a luz do sol.
- João, deixa de ser bobão! Queimou a pele e feriu os olhos, conquistou a sua vontagem de ser bobo.
Vai, vai e foi.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

momento introspectivo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O ovo.

Por que me fala de Hamlet? Por que me fala de Édipo Rei? O quão estupida sou ao escutar suas divagações e inteligência. Sou burra e me deixe assim ser. Começo tudo e termino nada.
"Ser ou não ser eis a questão" - nada sou e tudo sou. Espero daquilo algo que me deixa ser, mas o mundo me limita, os sonhos que já tive, já tive. Não quero ser ou não posso ser. Sou aquilo que me permite ser: sou NADA.
Furarei meus olhos para escutar seu coro dizer que só serei feliz após minha morte. Não vivo. Minha vida se limita a morte e a morte me permite o que se busca a vida inteira. Não vou até meu sangue correr.
As dores das divagações me incomodam.
Meus pensamentos me atormentam. minha mão não me obedece.
Assim sai do bolso uma faca pra rasgar meu peito.
- Vou comer um ovo.

domingo, 1 de novembro de 2009

Foi em vão o que senti
Amarguras, dores, mentiras
Internas.
Foi-se embora em segundos
Prazer, orgasmos, verdades
Internas.
Que tudo se vá
Mas que tudo marque
Que em vão marque
Onde abismos caiam em vidas
Internas.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Relato para uma foto.

Sorri bravamente, como se tivesse descoberto um novo mar e conquistado novas terras. Com os tormentos de uma vida mundana, meu tempo passava sem eu mesma perceber. Sentei com as pernas cruzadas, meu tronco curvado e sorri, sorri para uma foto que a pouco tempo me matava, sorri tão abertamente que meu peito, juntos a meus lábios se abriram e se ofuscaram. Era algo que necessitava sentir.
Após horas olhando aquela imagem que, dentro dela, continha uma felicidade perdida, me perdi e me encontrei, meu sorriso continuava aberto. Ao passar as mãos nos olhos molhados senti um aperto, era um liquido vermelho e quente que escorria pelo meu rosto, pingava de minhas mãos e entrava em minha boca, onde os lábios continuavam esticados e transmitiam um brilho opaco.
Era tudo em vão, aquele momento, aquele sentimento que transboradava dentro de mim era em vão.
Amarga, doce, feliz, fudida. Tudo se misturava em questão de segundos e o que era apenas uma foto se mostrou uma vida que se perdeu, parada no tempo.
E o que tinha de tão especial a ponto de estragar o pouco de maduro que ainda estava dentro de mim? Sentimentos, momentos, casas, castelos, sorrisos que ofuscava não que era ofuscado.
Era a saudade de não ter mais saudade. A morte do que nem era mais mim.
Quando percebo estou em um rio, um rio de sangue que me afoga e me mata. A última parte do meu corpo a se afundar foram meus lábios e a primeira parte foram meus olhos.
A foto corria flutuando sobre esse rio vermelho que me matara. Morri sufocada por uma lembrança, um desejo, talvez um momento.

[21/10/2009]

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Jardinagem.

Se perdeu em pernas e braços, abismos, precipícios. Quando anoiteceu, a garoa fria começou a cair nos telhados das casas e umidecia o mato que percorre seu quintal. O tempo estava morno e abafado.
Saiu para ver o mundo e cumprir seus compromissos. Abriu seu guarda-chuva que enroscava em toda esquina que virava, sorria um sorriso aberto, apertava os olhos para desembaçar o que a garoa embaçava e via carros, pessoas e pedras no caminho que a permitiam dançar se pisasse em falso, pois escorregava e deslizava.
Sentou num jardim florido, já havia acabado a primavera, mas as flores continuavam a colorir o dia e a perfurmar as ruas. Admirava as gotículas de água que caíam do céu e que molhavam todo o seu telhado. As pessoas andavam depressa, os carros acendiam seus faróis e seu tempo parecia parado, apenas a perceber o que passava em sua frente.
Sempre que tentava escapar de suas obrigações refugiava-se nesse jardim, via pessoas, movimento e, de certa forma, estava perto de seu porto-seguro. Pensava em sua vida e mergulhava em sua mente.
Se ali as pessoas passavam, dentro dela os momentos vividos vinham e divagava. O que era uma formiga que passava, dentro era um leão prestes a devorá-la.
Seus pensamentos eram formados em uma forma de confortá-la. Pensava no pior para se preparar no que vivia, mesmo que o que viesse fosse algo que lhe confortaria.
Soube aprender. Aprendeu a sentir todos os sentimentos que dentro poderia caber.
Seu jardim interno guardava todas as plantas e flores, que o mais belo jardim pudesse guardar. Eram rosas, orquídeas, comigo-ninguém-pode, bromélias, arruda, pimenta... Mas em si estava na época de coração magoado, que lhe tomava toda.
Sorriu largo, voltou pra casa, abriu a janela e viu a garoa cessar fazendo seu mato crescer.


[e assim perco meu tempo, ganho minha vida e perco aulas de educação]

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fadiga muscular.

E então ela não soube mais o que fazer senão esperar, senão esperar sentada em uma cadeira de aço e plástico, que se houvesse forte calor derreteria e só ficaria o esqueleto de aço da cadeira, a parte que sustentaria seu corpo, o plástico, derreteria e a derrubaria, num tombo que quebraria seus ossos, rasgaria sua pele e queimaria a sensação de segurança que quase a escapara.

Enquanto esperava, divagava em frente a uma caneca de café feito em meia suja, pensava na vida e esperava pelo o que não sabia, apenas esperava - seria a morte? As paredes eram brancas, os livros coloridos e as mensagens pareciam subliminares, tinha ela que continuar esperando algo que não a confortaria? Mas, na dúvida, o plástico ainda a sustentava.

Quando percebeu que algo quente e úmido escorria pelo seu rosto, a aflição de esperar agitou-se em seu peito, demorava tanto para algo acontecer que seus sentimentos não conseguiam mais se esconder dentro da matéria, transbordava, sentimentos esses que cortavam-lhe o músculo central, que esmagavam sua garganta e apagavam-lhe a visão. Ela, sem tempo, pois o seu tempo já havia corrido e passado séculos, tentava insistentemente cavar um buraco para se esconder da vergonha que já sentia, por humilhar a si mesma esperando algo que não esperava por ela. Devido o tempo passado, percebeu: o esperado não a esperava, nem sequer dava sinais de batidas.

Correu em direção ao tempo já corrido, uma corrida em vão, apenas o cansaço das batidas que já não batiam aguçavam os sentimentos da garganta esmagada.

A fadiga aumentava e corria como uma minhoca pelo chão, do aveso, ao contrário. As pulsações já não eram ass mesma, e não sentia-se mais quente, e sim molhada. Sentia no rosto algo úmido e gelado, humilhado e marcado. No peito observou uma fadiga muscular em seu músculo central. Aprendeu a correr e morreu a esperar.

domingo, 4 de outubro de 2009

Pensamentos alheios em uma noite avessa.

O superficial apareceu e bateu em minha porta. Queria apenas uma noite de sono, tranquila, imaginando que poderia haver paz. Mas não, em um momento eu quis abrir a porta, mantive-a fechada. Pelo turbilhão que havia em minha mente, incontrolavelmente abriu-se uma porta, a porta que deixaria o superficial entrar.

Enfim entrou em minha mente, e tudo que eu imaginava era superficial. Mas que bosta! Era tudo um clichê confuso... não sou mais eu, nem meus próprios pensamentos. O ócio mudou-se de repente, transformando minha mente infértil numa grande noite paulistana, não pensaria mais em nada. Superficialmente vivendo estava, estava em pleno declinio. Qual seria o valor disso tudo? (Nenhum!) As luzes brilhavam e pessoas chegavam, dinheiro rolava, minha buceta apertavam, a coca cheiravam, gargalhadas, amizades (?), era festa, em minha cabeça superficial... Passei a noite mais superficial que pude um dia presenciar.

Por um momento de sobriedade, corri com a cabeça contra a parede. Infelizmente, bati bem na parte oca da parede, fazendo cair um pedaço de gesso no chão. Voltei a mim... mas, quem era mim? quem é 'mim'? Pensei em estar com amnésia. Corrida em direção ao banheiro, desespero na procura de frascos de remédios que me ajudassem a voltar a minha realidade. Ofegante estava e confusa que decidi entrar embaixo do jato d´água gelado que caia do chuveiro para ver se algo além poderia me ajudar. Depois de uma hora vi que nada adiantava.

Pensei então em ligar para alguém, mas não havia alguém. Só conhecia eu como alguém. Desesperador.

Deitei no chão da sala, nua. Liguei o ventilador de teto e apaguei a luz. Nenhum sinal de vida, da minha vida. Simplesmente não a tinha.

No chão espero, meus pensamentos não param, minha vida gira com a hélice do ventilador. Ao ver, penso em perseguir o alheio que tranquei para fora, mas o chão me puxa para ma noite sem sol.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Vasculhas.

Era uma noite de verão e não se sabia muito bem o por quê a ardência subia-lhe o corpo. Uma reflexão sem jornadas, ainda assim não entendia a submissão corporal de uma jovem de dezenove anos fresca e com pudores, que estavam a se perder em breve.

Seria uma casa a ser aberta sem chaves e sem permissão, sem lógica total de um abismo que poderia se afundar em breve. Deitou-se na beira de um rio e o calor continuou insuportável como a presença de seres que estavam ali apenas para satisfazê-la, e ela mesma não sabia qual era a satisfação a ser realizada.

Queria mesmo era afogar-se no rio, como Virginia Woolf, enfiar pedras em seu casaco (em seu caso imaginário) e afundar em um rio de águas límpidas e refrescantes.

Mas não podia, era noite, quase manhã de sol, um calor ainda subia pelas suas pernas a chegar em membros em que ainda não conhecia. Começou a conhecer seu corpo através de uma segunda pessoa, que enfiava-lhe a cabeça entre suas coxas e vasculhava um local onde não queria reconhecimento alheio, nem mesmo o seu. Mas era noite, era moça e queria, sim, queria mesmo com medo de apegar-se no que não deveria.

Com os segundos passando, os minutos chegando e a noite não passava, faltava-lhe mais o ar, tentava encher o pulmão e tentava mais satisfazer o segundo, que conheceu há poucas horas. Conheceu o resto do que temia, tentou afundar-se na terra, na lama, num labirinto sem fim, que não pudesse nem mesmo encontrar a si mesma. Era medo, talvez a morte de sua própria personalidade.

O começo era difícil, sentia medo, aflição e gozação, mas era difícil e árduo. Mas o que não sabia é que o final seria mais dolorido.

Além de roubar-lhe o corpo, roubou a alma e sentimentos que o segundo mesmo despertara, agonizante se foi, deixou migalhas e depois o vento e a brisa espalhou por outros campos.

A jovem ficou com a dor que continuou, no começo foi mais fácil, depois a gozação acabou.

Queria ela ser como homens, ah sim, como homens que não medem a fragilidade alheia e não deixam se entregar a qualquer uma que não merece o sua alma, talvez o segundo não merecesse mesmo e por isso não se entregou como ela.

Agora mudou de cenário, deixou a beira do rio pelo cenário urbano, talvez um local frio em baixo de pontes e com barulhos, quem sabe o livro de Carolina Maria de Jesus a ajude em novas experiências.

Talvez a vasculha continue.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Lembrança.

(À minha tia-avó, mais avó que tia, Sylvia.)

Ao fechar o portão, os cachorros latiram fazendo Menina acordar. Acordou assustada pensando ser sexta, dia da semana, ainda dia de aula, consequentemente, pensava estar atrasada para a escola. Até que gostava, mesmo sendo dia de matemática.

Ao levantar e olhar o relógio viu que eram oito horas, o horário em que seu pai ia trabalhar, mas também percebeu que era sábado, e não sexta como imaginava ao susto.

Corre depressa para a cama, cobre-se com a colcha retalhada e tenta dormir novamente. Nisso, sua mãe, uma mulher morena, com cabelos grossos e presos com um lápis descascado, passa pelo corredor com seus tamancos, que assusta Menina, indo em direção à cozinha para fazer café e dar ao São Benedito, como fazia todos os dias, até mesmo finais de semana, feriados e afins, era sagrado.

Tão atordoada, Menina decide levantar. Com tanto barulho, de portão, cachorros e tamancos, era impossível continuar o descanso. Levantou-se, calçou os chinelos e foi ao encontro da mãe para compartilhar o café com o Santo.

- Bom dia!

- Eitá, já tão cedo, em pleno sábado, acordada?! Sabe que é sábado, não? Nunca te vi acordar sozinha nesse horário e no final de semana! Bom dia! – diz a mãe à Menina, entregando o café ao Santo.

Como estava atordoada, o mau-humor subiu-lhe à cabeça, Menina calou-se e colocou café com açúcar na caneca para tomar. Já estava quase frio, mas dava para engolir.

-Vamos à casa da Vó hoje? – arranca remela de um dos olhos e, continua – Queria conversar com ela.

- Ela já ligou, falando para ir almoçar lá hoje. Graças à Deus eu tiro a barriga do fogão hoje, pelo menos num sábado da vida. Mas, ô Menina, o que você, uma criança de 13 anos, quer falar com uma velha de setenta e lá quantos?

- É coisa minha, mãe! Deixa de ser fofoqueira e vá arrumar o que fazer, ora! E outra, eu sou adolescente já, não criança!

- Deus um dia te castiga pelo jeito que fala com tua mãe, Menina, ah castiga!

- Assim seja!



Em uma casa grande, de portão baixo, porta pequena, um carro bem velho na garagem e várias árvores frutíferas no fundo, chegam Menina e a mãe. Tocam a campainha, e a mãe aflita, carrega um vaso de flores pesado que estava jogado em sua casa e prometeu-lhe dar à Vó.

-Entrem, entrem!

O portão estava aberto, a mãe entrou ligeiramente, quase soltando os pulmões pela boca e reclamando que ninguém a ajudava. Menina correu e abraçou a Vó, como sempre fazia ao vê-la.

Como Menina era a única filha da mãe, e a mãe era a única filha da Vó, a família era pequena, o avô já havia falecido há anos, Menina nem chegou a conhecê-lo, mas não se importava, quem lhe importava mesmo era quem estava vivo e quem ela podia ver.



A mãe comprometeu-se em lavar a louça, nisso, Menina conversava com a Vó. Conversavam sobre infância e sobre relação avó e netos.

- Mas sabia, Menina, que os pais servem para educar e os avós para deseducar? – soltou uma gargalhada ao dizer à Menina, pois sabia bem que seu papel de avó ela cumpria corretamente.

Após a conversa foram colher frutos nas árvores. Colheram caqui, limões e laranjas, enquanto a mãe assistia ao jornal sangrento da tarde, que mostrava um massacre em uma favela paulistana.

A Vó arrumou a cesta de frutos e sentou-se perto da janela para ver as pessoas passarem.

- Vó, minha mãe pediu um caqui pra senhora! – pediu Menina aos pedidos da mãe.

- Ah, fale pra sua mãe que eu não vou subir no pé pra catar caqui hoje, tô muito cansada!

- Mas, Vó, a gente acabou de catar caqui, ta ali na cesta!

- Nós? Hoje? Agora?

- Sim, olha lá! – Menina assustou-se mais ainda com o esquecimento repentino da Vó, e apontou para a cesta.

- Nossa, preciso ver o Doutor. Que horror um esquecimento desses! – sorriu a Vó.



Menina, ao levar a fruta à mãe, ficou pensando, como podia a Vó esquecer de algo tão recente e lembrar, tão nitidamente das coisas do passado? Tentou entender por alguns instantes até ser interrompida pelo grito da mãe:

- Que horror!!! Jesus, Maria, José! Ta vendo, Menina? Ta vendo? Daqui a pouco você pode ta matando sua mãe que nem esses irmãos fizeram com os pais. Do jeito que você anda com essa boca, não duvido.

Esqueceu logo do esquecimento da Vó, e a Vó também já o havia esquecido.



Como não tinha amigos, Menina, já com dezenove anos, passava os dias ajudando a mãe em casa e as tardes pensava em salvar sua vida e sua solidão.

Não estudava, já terminara tudo. Ou dormia ou comia ou varria a casa, não gostava de fazer nada disso. Criou um desgosto temível por ela mesma.

Sua mãe começou a sair demais, havia noites que nem voltava, e o pai estava viajando a trabalho havia dois anos.

Tudo estava estranho ao seu redor, fazendo com que ela se tornasse mais estranha do que pensava.

Vó, com debilidades avançadas, necessitava de ajudas e Menina se prontificou a isso. Todas as manhãs ia até a casa da Vó, fazia café, dava à São Benedito, continuando com a crença familiar, e servia a Vó.

Com dificuldades de erguer a caneca até a boca, Menina o fazia com uma dedicação de neta.

Ao passar as horas, fazia o almoço. Sempre era uma papa, grudenta, nojenta e ingerível à quem está em sã consciência. Dava pra Vó na boca, com cuidado, aos poucos e com calma.

Anulava-se por completo para cuidar de seu único ente que lhe restava algum afeto. Vó envelhecia rapidamente, tão rapidamente que chegava a ser rápido demais para seu mundo.

Mas, tudo bem, mãe sumia e nem se preocupava e o pai abandonou-as dizendo ser em nome do trabalho. Menina não se importava mais, pois já estava crescida, sabia se virar sozinha, só quando se é criança, pequena e vista como uma “benção divina” é que se tem ao redor pessoas dizendo e jurando amores.

- Te amo, Vó – disse Menina, talvez sem nem entender o por quê, enfiando mais uma colherada na boca da Vó.

Correu-lhe uma lágrima, duas, três... Enxugou-as rapidamente, disfarçou, respirou fundo e mais uma colherada.

Menina estava tentando cumprir seu papel de neta, diferente do papel de mãe, que é de educar, tentava reeducar a Vó, difícil, pois a avó nunca havia lhe dito como era antes, quando conversavam sobre o passado.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Corpo ingênuo.

Era escultural como nenhum outro, Ingênua tinha um corpo perfeito e invejado pelas mulheres mais maduras.

Seios novos e pequenos, cintura fina como se usasse corpete, cabelos compridos e volumosos, rosto delicado e puro.

Escondia seu corpo por entre os panos de cores mórbidas. Não queria que ninguém a enxergasse pelo seu corpo, que era de chamar muita atenção. Suas saias eram tão compridas que ao caminhar nas ruas de terra, entupia a barra de barro, tendo assim, que lavar todos os dias, causando calos e mais calos em suas mãos brancas e nuas.

Era solitária, não possuía sorriso nem lágrimas, era uma mulher sem expressão.

Queria apenas alguém que a fizesse enxergar quem ela realmente era. Encostava-se no bar e sonhava com um dia que poderia casar e ter filhos, filhos de um dos homens que ali estavam, talvez.

Peregrinava depois de horas parada, observando e sonhando. Não tinha rumo nem vontade própria de viver, só não tirava a vida por ser medrosa, tinha medo de não morrer e sofrer com as conseqüências.

Após a morte de seu cachorro, único companheiro e ouvinte, Ingênua decidiu arriscar-se na vida. Largou tudo, a mãe doente, o pai pedreiro e o irmão manco para poder ter uma vida que ela chamava de ‘decente’.

Foi apontada na rua, castigada por todos espiritualmente. Mas nada mais importava a não ser a liberdade que ela mesma fornecia em sua vida.

Correu sem rumo e acabou por cair em uma vila, esfolou o rosto, os seios e a barriga. Quase não era mais a mesma. O corpo era o que tinha de mais precioso, e esse ficou espalhado pela estradinha de terra da pobre vila.

Chorou as amarguras e internou-se em um hospício, internou-se por conta própria. Descobriu-se, por completo. Não era igual as outras meninas, o seu único parceiro e companheiro foi o cachorro.

Aprendeu a enxergar-se internada, onde cativou um cego que a desejava sorrindo com os lábios.

(23/02/2007)
É, quanto dinheiro jogado fora,

quantos sonhos arrancados da memória.

Várias vidas desiludidas,

várias mortes mantinham em vidas.

Abandonadas pelo desespero,

crianças vendidas por emprego,

vivendo como se fosse um mercado,

"cuidado, o perigo mora ao lado."

Esperança arrancada em uma lágrima.

Mãos calejadas implorando por migalhas.

Sorriso excluído da lembrança

de uma criança que nunca teve infância.

Não é só lá que tem onde encontrar,

mas em todo lugar há.

Quantas almas são roubadas,

quantas crianças são escravas.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A puta.

...pegaram a puta! Amordaçaram-na e amarraram por todo o corpo junto a cadeira.

Ela não sabia onde estava, só sabia que homens ao seu redor apostavam vidas, sexo e dinheiro em troca de divertimentos. Era delicada, apesar de vender seu corpo.

Não sabia muito o motivo da captura. Vendia-se apenas para sustentar o que nada tinha. Perdeu dignidade, virgindade, idade e a maturidade. Julgam-a: 'Perdeu sim, a vergonha na cara!'

Morria por dentro, suas roupas foram arrancadas para limpar o chão da casa que a aprisionava, seus lábios estavam rachados, seus olhos esbugalhados. Era duro sentir o que ela nem conseguia mais entender.

As pessoas eram mais cruéis do que ela poderia imaginar. Era puta, mas era humana.

Passou horas e horas, sentada sem água e sem dinheiro para poder voltar para a casa depois de largada em qualquer terreno. Uma noite inteira, como se fosse uma eternidade para as dores. Os homens se aproximavam...

Percebeu que eram homens pobres, com a dignidade ferida pelos apelos que haviam feito por apenas uma noite introduzindo-os em seu corpo. Como ela havia negado devido não terem nem um centavo, sequestraram a puta, não para sexo, mas para vingança de serem recusados por uma puta: 'Caralho, uma puta negando uma trepada! Sofre!'

Não era uma 'trepada', era uma vergonha. Não transava por transar, emprestava seu corpo em troca de dinheiro, mas ainda assim continuava com a dignidade de uma mulher e o sorriso de mãe.

Ao amanhecer foi solta, queriam mesmo dar um susto. Mas isso era pouco, perto do que vivia nas ruas. A sua vida era presa dentro de sonhos limitados pela sociedade. A sociedade que faz parte.

Continua sendo puta, mulher e amante.

(22/02/2007)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

achados.

Com todo seu descontrole, não pensou duas vezes para pegar o telefone e ligar para a pessoa que, no momento, odiava. Tentou não chorar, nem ferir seu próprio orgulho, mas foi em vão, Perdida vomitou logo as primeiras palavras, tentando ser o máximo de simpática, logo lhe veio uma resposta seca, poucas palavras e direta. Odiava mais ainda.

Descontrolou-se, lágrimas corridas e tapas em sua própria fase a recriminavam pela falta de ‘amor-próprio’, que a fazia se submeter ao ponto de implorar algo que já não lhe era cabido.

Suspirava e transpirava, corria em seu sangue todos os sentimentos que lhe podiam caber. Ao sentir pena por si mesma, fuma um e deita em sua cama, querendo apagar a merda que fez. Dormiu rápido. Em seus sonhos sentia conforto, ilustrando uma vida que seria perfeita como as de histórias em quadrinhos.

Mas os dias passavam rápido, mesmo assim não se sentia livre, estava presa pela dor do fracasso, esperança. A cada passo que dava, a face do amado odiado aparecia em sua frente, tentando lhe mostrar o quanto Perdida foi insuficiente pra ele, exibia uma felicidade que por dentro a matava, sentindo desnecessária, descarte, uma aventura mal sucedida do cara que ela se entregou.

Andou depressa, com um sorriso de ódio em seus lábios, para disfarçar o quanto ele lhe fez sofrer. Tentava esquecer, fumava um. Dizia a si que não possuía quaisquer sentimentos.

Já tinha superado, ou quase, até surgirem voadoras. Volta a preocupação: voadoras eram perigosas, burras, mas gostosas. E será que ele sabia disso? Para ela não, resolveu fiscalizar e assim volta a sentir o que não queria, o que pouco tempo havia descoberto: a dor da perda. Esmagou seu peito, se viu defeitos... Estava a um passo de cometer loucuras para acabar com aquelas voadoras.

Surgiam oportunidades, casos e acasos. Apagou de si tudo o que aprendeu. Olhou o passado e pesou na balança o que lhe foi bom e o que lhe foi ruim. Perdida percebeu que continuava sem rumo, e que seu descontrole não foi controlado. Quis respirar fundo, mas os pulmões já não lhe ajudavam tanto.

Correu para um precipício, e olhando pra cima perguntou-se por que era tão injustiçada e alvo das decisões não decididas, das expectativas frustradas. Respirou fundo e descontrolou-se, caiu. Ao chegar ao chão espatifou-se toda, viu que lá possuía tudo o que quisera esquecer, entregou-se ao precipício, e tentou modificar o que aprendeu.

Esqueceu de todos, mudou de rumo, viu que errou o caminho ao não saber aonde ia, Perdida se perdeu, viu que a vida fora de seu casulo lhe dava mais oportunidades de conhecer a verdadeira vida que ela estava pronta a ter. Quando percebeu que não mais queria o ‘tão’ amado odiado, conseguiu encher seus pulmões e crescer alguns centímetros. Tinha conquistado muito pra deixar de lado em pouca experiência mal compartilhada com quem não a via como a mulher que realmente era.

Arrumou as malas e rumou para aonde o vento lhe guiava, teve que subir muito, e continua, pra chegar aonde almejou. Perdida, encontrou-se nos descontroles aprendendo a desprender-se e descontrolar seus passos.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

'Deus é que se foda!'

Padre descobriu folhas e fotos guardadas em uma sala no subsolo da Igreja. Estavam roídas por traças, úmidas devido a umidade da terra e amassadas por alguém que não queria que visse.

Cuidadoso, recolheu tudo e foi para seu quarto analisar o que poderia trazer simples papéis.

Era de um menino que Padre ensinava, estava prestes a ser crismado. Um menino estranho, vivia nas proximidades da Igreja, nas ruas. Não tinha ninguém, e não havia despertado o interesse no Padre de adotá-lo, afinal, o mísero dinheiro que ganhava através da Igreja era tão pouco, que mal dava para alimentar ele só. Uma criança seria muito para ele.

Havia horas que Padre soltava frases contra a sua própria Igreja: "Deus é que se foda!". Lógico que, tudo escondido para não perder o emprego.

Não sabia muito o por quê de toda aquela papelada trazer lembranças, pareciam recentes e pareciam dele.

Eram fotos de quando ele namorava com Donzela, cartas da juventude e do amor, incluindo a última carta dizendo que ele havia perdido o emprego e que a única saída seria fantasiar-se de Padre para pagar seu mantimento. Dando 'Adeus' a Donzela e seu amor, em troca de mentiras para dinheiro.

Ao folhear, mais fotos de Donzela, gorda, barriguda, peituda e com cara de desgraça. Não entendia muito bem, mas parecia estar esperando um herdeiro, mas 'péra', um herdeiro do Padre! Havia uma certidão de nascimento do estudante da Igreja e um atestado de óbito de Donzela.

'A desgraça não deixou nada para o menino, que agora veio atrás de mim. Vai se fuder mesmo, viu Deus?!"

Pois é, o menino agora era do Padre, descobriu sem querer descobrir e agora queria morrer por ter sido curioso. Parecia que ninguém tinha nada haver, mas a verdade é que o Padre era o mais culpado, ainda mais agora, que o menino era a reencarnação de Jesus Cristo.

'Amém!'

(22/02/2007)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

corre.

'Menina, deixa disso! Corre que alcança o bonde.' E não é que conseguiu? Porém, não na janelinha para ver o mundo passar.

Ao decorrer dos anos apertava mais o desespero para conseguir o que queria. Solitária como sempre foi por conta própria, decidiu correr para pegar o bonde impulsivamente, declarando amor aos mortais e ódio aos racionais. Partiu dizendo um adeus ofegante, despedaçando os sonhos concretos, feitos de concreto.

Os sonhos hoje eram diferentes dos de ontem, dos de sempre. Hoje vivia para os sonhos de hoje, e amanhã para os sonhos de amanhã. Tudo em seu determinado tempo, determinado por ela mesmo, a dona de si.

Só raciocinava ao pensar no dinheiro para comprar o mantimento para seu prazer de degustação. Não queria mais pensar, apenas sentir o amor dos homens, a dor da morte e saciar-se dos pesares da vida. Deixava de se preparar, de prever, agora ela queria errar e acertar sem medir as consequências de seus atos sutis.

Caiu nos braços do mundo, do pênis do homem e da vagina da mulher. Fez escolhas e desfrutou de si mesma. Não era a mais pequena, era grande por dentro. Acabou por ser do mundo dos humanos. Sonhos. Saiu da realidade, introduziu-se em um buraco profundo onde nada tinha limites, o limite era ela.

Nuvens de fumaça, embriaguez, soube viver e descobriu o seu próprio amar. Através do estado do homem, soube que palavras encantam mais que penetração. Cativada sem erros, ou errando para entregar-se as palavras do jovem, que não a queria.

Através de um sonho que teve seu limite, não pode ir além com sentimentos. Soube que com o físico brinca, com sentimentos inibe. Hoje é eterna a forma de chorar. Queria apenas sentir o gosto do fruto proibido, hoje é amar.

Não conseguiu varrer as amarguras para debaixo do tapete. Elas saiam por conta própria e a dominavam. Ela amava, odiava-se. Sentiu o que muitos não sentem.

Bendito bonde! Mas bem que poderia ter ido na janelinha...

(21/02/2007)

tropeço.

Preocupei-me com a aparência, assim esqueci dos sonhos e dos sentimentos guardados como pedras em sapatos. As preocupações atingem o ego maior, forçam a sabedoria do ser, mata o pensamento, angustia a dor.

Seria fácil questionar o errado sem saber o correto. A beleza transmite a forma exterior do ser, a necessidade se sobressai.

Preocupei-me também em agradar, em não amar. Acabei por tropeçar, cair e ralar as mãos ao tentar não machucar a face, a face 'bela', a face que se apresenta. Preocupei-me tanto que esqueci de mim mesma. Ralada as mãos, a alma e o coração.

Poderia pedir perdão aos erros, virar escrava da razão dos humanos, mas não, esquecerei-me do que aperta para sossegar em um colchão de espuma, espuma de sabão. Borbulhas.

Era tanta preocupação que houve abismos ao decorrer. No futuro, que poderia se chamar de 'hoje', raciocinando, encontraram dois fatos... 'dois?'. Uma atrevida que se depara com dois dilemas. Racional e Sentimental. A flor na pele da menina, o cabelo branco da moça. Cruzando um só caminho, o meu, transtornando fatos inexistentes, necessitando explicações sem lógicas.

Preocupei-me tanto, que acabei por esquecer de preocupar-me com a mente sábia da cartomante de Macabéa.

Ralei-me toda!

(20/02/2007)