segunda-feira, 26 de abril de 2010

O Cheiro.

Encontrou-se no meio da multidão. Fechou os olhos e respirou três vezes calmamente, sentiu suas mãos suarem, não sentia seus pés. O cheiro estranho que seu avô percebeu em seu pai quando este era adolescente, ela sentia constantemente quando pensava numa maneira de fugir dessa multidão.
Com passos lentos seguiu sem sentido e orientações. Ao abrir os olhos viu pessoas distantes a observarem com olhos preocupados e dispersos, talvez cansados. Assustou-se e sua respiração começava a ofegar.
Luzes piscavam e estava um sol do meio-dia. Cheiros misturados atormentavam o que não mais seria natural. Fechou novamente os olhos, agora fortemente e rápido, pressionava suas pálpebras para tentar penetrar em sua escuridão e fugir de tantas luzes desorientadas.
Quando abriu os olhos, a multidão caminhava em sua direção com passos apressados, perfumes baratos e sem distinção, esbarrando no seu corpo imóvel, perplexo sem entender.
Olhou para o alto tentando encontrar solução. Em meio ao caos encontrou uma nuvem cinza na qual se identificou. Identificou-se até perceber que era fumaça, pois logo sua bronquite atacou.
Sacudiu a cabeça para os dois lados começaram alguns apitos progressivos e logo as pessoas pararam de empurrá-la. Resolveu seguir caminhando, então, de olhos abertos, sabia de alguma forma que estava confusa com tantos rostos, cores, luzes, barulhos e cheiros em vão.
Sentiu o cheiro da brisa e seguiu em direção ao mar. Ainda dentro do caos, mas tentando manter-se afastada.
Com passos lentos e já descalços, sentia seus pés cansados, seu corpo pesado, sua mente estava atormentada e mais nela não pesava. Em nada pensava, em tudo calava. Estava pressa sem saber sair de um caos que a atormentou numa fechada de porta.
Subiu umas pedras, escorregou algumas, mas conseguiu chegar. Chegou. E o cheiro proibido pelo militarismo brotou, brotando dele seus pensamentos, suas verdades que se apresentaram a libertando da realidade.

[23/04/2010]

domingo, 28 de março de 2010

tic.tac.

Era tudo muito possível baseado nas formas em que tudo podia-se fazer. Tempo indeterminado, horas não marcadas, relógios quebrados e tudo se encaixaria num tempo em que não havia pelo simples fato de não existir. Era tudo em camera lenta, marcado por passos lentos que se fossem acelerados cairia em um precipicio.
Tudo acontecia de uma forma em que não poderia esperar, mas esperava. Uma dor no peito, um sufocamento que a delimitava de viver, ou era ela ou era a chance de mostrar a ela mesma que era capaz de ser... ela!
Nada era perdido, mas estava sendo, nada era dado, mas estava sendo entregue. Entregou-se a perda de tempo, deixou o não tempo a consumir e ela não sabia que precisava dele para respirar, sim, ela respirava com o tempo que marcava a sua história, ela era humana e sabia que os passos eram pautados e delimitados e por que não pensar no tempo sendo que ele poderia já estar terminando?
Um sentido em vão para uma reposta que nunca viria. Continuaria a esperar o que nunca teria, não, ela nunca o teria, nem o tempo, nem o sentido.
Ficava deitada, só deitada esperando enxergar o tempo. Cega.
Tirou a cara pra fora, decidiu ver quem era o homem e que ela fazia parte dele e que ambos faziam parte de um todo no qual a sufocava, a confundia, a delimitava. O homem era tudo o que ela não sonhava, era a face amarga de uma vida frustava. Mas, espere, ela também era o homem e ela, então, era a face amarga e sua vida era uma bosta, sem sentido, sem rumo, a espera de algo que nunca lhe viria, pois sua mente era um turbulhão no qual fervia águas passadas e eternas que a impedia de ver o que realmente existia. Ela era viva e não sabia.
A sua face amarga mostrava a vida perdida e sonhos não concretos, mostrava a imaturidade, a inexperiência, a falta de coragem do homem. E ela era um todo.
Não queria ela viver de bases, queria ser o completo e tudo que girava em torno era um choque. Viver doía e descobriu vivendo, mas o que lhe machucava mais não eram os seus sentimentos humanos, ela era humana, o que lhe doía era o que lhe causava esses sentimentos. Com as dores, conseguiu enxergar e colocar no chão os pés que nem mais sabia que existiam.
Ah, morreu de amores por um homem frustrado, de face amarga e que não tinha maturidade para assumir que era muitos. Contudo, teve sentido. Sentido de sentir o tempo passar e senti-lo passar mostrou que tudo amadurece, que tudo volta pois os ponteiros giram.
Morreu suavemente feliz, ainda com a face amarga de um todo, com os olhos abertos pro todo, com a mente espalhada no chão.

-É, talvez ela tenha sido baleada ou foi só a escuridão do relógio que logo parou.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Nascimento suicida.

Inesperadamente tudo começou. Vivia intensamente até então o que era nomeado de vida o que pra ela era concluído um suicídio.
Amarga era como se fosse um doce espaço em branco que aos poucos era colorido com as tintas opacas quase terciárias. Envolveu-se com o mundo, magoou-se amargamente com o passado. Seus espantos começaram quando percebeu que tudo desabava a partir da construção.
Amarga, amarga era depois de adocicada fora por fora e por dentro dos momentos e experiências que nela existiam. Era simples, começava engatinhando, os primeiros passos foram fáceis, um de cada vez começando pelas pontas dos pés, com a perna torta, os sorrisos em volta e o medo interno. Quando começou a correr as pernas quebraram, uma só quebrou para poder mostrar que ainda pode haver um apoio. Seus dentes nasceram, caíram, nasceram, entortaram, apodreceram. Seus sentidos aguçaram, seus sentidos vibravam com os dias que surgiam.
Docemente mentia, enganava-se, fugia de si mesma e encontrava tudo e nada. Era bela, a vida sempre fora bela, os sentidos sempre lhe faziam sentido, os meios sempre se encaixavam como os corpos de macho e fêmea se encaixavam. Amanhecia, anoitecia e tudo acontecia. Uma vida.
Salgou-se com a água do mar descobrindo que nem tudo matava a sede. Entregava-se perdidamente para os corpos excitados e eretos como se cada dia que passasse se tornasse cada vez mais virgem, desconhecida, descobrindo os prazeres que a carne lhe proporcionava, desfrutava e amava intensamente o que era pecado, o pecado sempre foi bom. Amargamente pecava, e pecava também por não sentir culpa de ser uma serva pecadora. ‘Pecar é sinônimo de viver e se está viva por que não pecar?’ – amarguradamente existia.
Ah, esses pudores filhos da puta que tentavam lhe impedir da vida vivida como se uma novela que passava era o correto. Ah, fodia, comia, sorria, gritava, gemia e assistia como se tudo fosse único e sabia que era única e se gabava.
A vida era amarga, Amarga sabia, soube, soube assim que o tempo lhe fugia, lhe corria desesperadamente para longe de suas mãos. O tempo fugia e lhe debilitava. Debilitava sua mente, sua memória, só sua alma a mantinha. Mas queria o corpo, o pecado, a morte da vida. Queria matar o tempo e não se matar com o tempo.
Tudo se perdeu diante da sua amargura. Amarga a vida e amarga a morte. Amarga. Continuou com o chamado ‘vida’, percebendo que nascer era um ato suicida a longo prazo, morrera de tanto viver.

[01/02/2010]

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Quarto.

Assim conseguiu, após trancar-se em seu cômodo, chorar. Chorou, chorou a noite inteira. Era um alívio sem fim.
Seus suspiros aliviavam o peito, o nó na garganta se desfazia aos poucos, mesmo sabendo que este voltaria. Sentiu no silêncio a dor que ainda sentia e desistiu, começou a sussurrar uma melodia triste, lenta, que não a acalmara nem a afligia. Era uma música que mostrava a sua não existência. Chorava agora mais. Era a dor de nem mais existir. Não existia e agora tinha certeza disso. O silêncio a afligia, a matava. A sua voz sussurrada com soluços mostrava a sua inexistência.
Pois então, jogou-se no chão, sujou o carpete de lágrimas, descabelou-se como se alguém pudesse surgir para lhe arrumar para um novo dia. Não iria surgir ninguém e ela sabia disso.
Não tinha respostas.
Resolveu parar de sussurrar, começou a cantar mais alto, em um tom normal, ainda melancólico. A voz era suave, possuia ainda seu ritmo lento, pausada pelos soluços que lhe mostravam o som da dor. Não queria perder-se. Perdeu.
Parou. Respirou. Sentiu um alívio imediato pois parou de pensar. Não! Começou a gritar a música para seus tímpanos estourarem. Gritava, gritava, gritava... Não! Era a dor que lhe afligia, que lhe matava. O desespero de não existir e sentir a dor de uma existência em vão. Era ruim ser ela. Não havia mais tempo de superar a dor.
Gritou pela última vez. Um grito forte, alto, agoniante, seguido de um leve gemido de dor. Sentiu seu sangue parar.
Quando percebeu, estava pensando de novo. E pensar lhe doía. Viver era sua morte, e sabia que somente a morte lhe libertaria da dor, dos gritos, da inexistência, pois teria sua hora da estrela. Todos lembram quando se está prestes a morrer, ou quando se morre.
Pensou. Levantou-se, arrumou-se, abriu a porta e foi mostrar pro mundo como era, como era forte. Mas é tão fraca que só ela sabe. Mas morre, deixa-se dentro de seu quarto, dentro de sua ausência.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

mineiro.

Como se fosse um labirinto, em eterna busca de si mesmo. "Vai João, busca o que é seu!" O mundo acabou e nem a baleia salvou, seu amigo morreu, a geleira derreteu.
Tomou conta do passo, um a cada tempo, à sua marcha. Pensou, elouqueceu e viu que os muros eram altos, ao tentar pular ficou em cima, abriu os braços, clamou aos céus.
Salvou-se, iluminou-o a luz do sol.
- João, deixa de ser bobão! Queimou a pele e feriu os olhos, conquistou a sua vontagem de ser bobo.
Vai, vai e foi.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

momento introspectivo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O ovo.

Por que me fala de Hamlet? Por que me fala de Édipo Rei? O quão estupida sou ao escutar suas divagações e inteligência. Sou burra e me deixe assim ser. Começo tudo e termino nada.
"Ser ou não ser eis a questão" - nada sou e tudo sou. Espero daquilo algo que me deixa ser, mas o mundo me limita, os sonhos que já tive, já tive. Não quero ser ou não posso ser. Sou aquilo que me permite ser: sou NADA.
Furarei meus olhos para escutar seu coro dizer que só serei feliz após minha morte. Não vivo. Minha vida se limita a morte e a morte me permite o que se busca a vida inteira. Não vou até meu sangue correr.
As dores das divagações me incomodam.
Meus pensamentos me atormentam. minha mão não me obedece.
Assim sai do bolso uma faca pra rasgar meu peito.
- Vou comer um ovo.