domingo, 28 de março de 2010

tic.tac.

Era tudo muito possível baseado nas formas em que tudo podia-se fazer. Tempo indeterminado, horas não marcadas, relógios quebrados e tudo se encaixaria num tempo em que não havia pelo simples fato de não existir. Era tudo em camera lenta, marcado por passos lentos que se fossem acelerados cairia em um precipicio.
Tudo acontecia de uma forma em que não poderia esperar, mas esperava. Uma dor no peito, um sufocamento que a delimitava de viver, ou era ela ou era a chance de mostrar a ela mesma que era capaz de ser... ela!
Nada era perdido, mas estava sendo, nada era dado, mas estava sendo entregue. Entregou-se a perda de tempo, deixou o não tempo a consumir e ela não sabia que precisava dele para respirar, sim, ela respirava com o tempo que marcava a sua história, ela era humana e sabia que os passos eram pautados e delimitados e por que não pensar no tempo sendo que ele poderia já estar terminando?
Um sentido em vão para uma reposta que nunca viria. Continuaria a esperar o que nunca teria, não, ela nunca o teria, nem o tempo, nem o sentido.
Ficava deitada, só deitada esperando enxergar o tempo. Cega.
Tirou a cara pra fora, decidiu ver quem era o homem e que ela fazia parte dele e que ambos faziam parte de um todo no qual a sufocava, a confundia, a delimitava. O homem era tudo o que ela não sonhava, era a face amarga de uma vida frustava. Mas, espere, ela também era o homem e ela, então, era a face amarga e sua vida era uma bosta, sem sentido, sem rumo, a espera de algo que nunca lhe viria, pois sua mente era um turbulhão no qual fervia águas passadas e eternas que a impedia de ver o que realmente existia. Ela era viva e não sabia.
A sua face amarga mostrava a vida perdida e sonhos não concretos, mostrava a imaturidade, a inexperiência, a falta de coragem do homem. E ela era um todo.
Não queria ela viver de bases, queria ser o completo e tudo que girava em torno era um choque. Viver doía e descobriu vivendo, mas o que lhe machucava mais não eram os seus sentimentos humanos, ela era humana, o que lhe doía era o que lhe causava esses sentimentos. Com as dores, conseguiu enxergar e colocar no chão os pés que nem mais sabia que existiam.
Ah, morreu de amores por um homem frustrado, de face amarga e que não tinha maturidade para assumir que era muitos. Contudo, teve sentido. Sentido de sentir o tempo passar e senti-lo passar mostrou que tudo amadurece, que tudo volta pois os ponteiros giram.
Morreu suavemente feliz, ainda com a face amarga de um todo, com os olhos abertos pro todo, com a mente espalhada no chão.

-É, talvez ela tenha sido baleada ou foi só a escuridão do relógio que logo parou.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Nascimento suicida.

Inesperadamente tudo começou. Vivia intensamente até então o que era nomeado de vida o que pra ela era concluído um suicídio.
Amarga era como se fosse um doce espaço em branco que aos poucos era colorido com as tintas opacas quase terciárias. Envolveu-se com o mundo, magoou-se amargamente com o passado. Seus espantos começaram quando percebeu que tudo desabava a partir da construção.
Amarga, amarga era depois de adocicada fora por fora e por dentro dos momentos e experiências que nela existiam. Era simples, começava engatinhando, os primeiros passos foram fáceis, um de cada vez começando pelas pontas dos pés, com a perna torta, os sorrisos em volta e o medo interno. Quando começou a correr as pernas quebraram, uma só quebrou para poder mostrar que ainda pode haver um apoio. Seus dentes nasceram, caíram, nasceram, entortaram, apodreceram. Seus sentidos aguçaram, seus sentidos vibravam com os dias que surgiam.
Docemente mentia, enganava-se, fugia de si mesma e encontrava tudo e nada. Era bela, a vida sempre fora bela, os sentidos sempre lhe faziam sentido, os meios sempre se encaixavam como os corpos de macho e fêmea se encaixavam. Amanhecia, anoitecia e tudo acontecia. Uma vida.
Salgou-se com a água do mar descobrindo que nem tudo matava a sede. Entregava-se perdidamente para os corpos excitados e eretos como se cada dia que passasse se tornasse cada vez mais virgem, desconhecida, descobrindo os prazeres que a carne lhe proporcionava, desfrutava e amava intensamente o que era pecado, o pecado sempre foi bom. Amargamente pecava, e pecava também por não sentir culpa de ser uma serva pecadora. ‘Pecar é sinônimo de viver e se está viva por que não pecar?’ – amarguradamente existia.
Ah, esses pudores filhos da puta que tentavam lhe impedir da vida vivida como se uma novela que passava era o correto. Ah, fodia, comia, sorria, gritava, gemia e assistia como se tudo fosse único e sabia que era única e se gabava.
A vida era amarga, Amarga sabia, soube, soube assim que o tempo lhe fugia, lhe corria desesperadamente para longe de suas mãos. O tempo fugia e lhe debilitava. Debilitava sua mente, sua memória, só sua alma a mantinha. Mas queria o corpo, o pecado, a morte da vida. Queria matar o tempo e não se matar com o tempo.
Tudo se perdeu diante da sua amargura. Amarga a vida e amarga a morte. Amarga. Continuou com o chamado ‘vida’, percebendo que nascer era um ato suicida a longo prazo, morrera de tanto viver.

[01/02/2010]