quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Relato para uma foto.

Sorri bravamente, como se tivesse descoberto um novo mar e conquistado novas terras. Com os tormentos de uma vida mundana, meu tempo passava sem eu mesma perceber. Sentei com as pernas cruzadas, meu tronco curvado e sorri, sorri para uma foto que a pouco tempo me matava, sorri tão abertamente que meu peito, juntos a meus lábios se abriram e se ofuscaram. Era algo que necessitava sentir.
Após horas olhando aquela imagem que, dentro dela, continha uma felicidade perdida, me perdi e me encontrei, meu sorriso continuava aberto. Ao passar as mãos nos olhos molhados senti um aperto, era um liquido vermelho e quente que escorria pelo meu rosto, pingava de minhas mãos e entrava em minha boca, onde os lábios continuavam esticados e transmitiam um brilho opaco.
Era tudo em vão, aquele momento, aquele sentimento que transboradava dentro de mim era em vão.
Amarga, doce, feliz, fudida. Tudo se misturava em questão de segundos e o que era apenas uma foto se mostrou uma vida que se perdeu, parada no tempo.
E o que tinha de tão especial a ponto de estragar o pouco de maduro que ainda estava dentro de mim? Sentimentos, momentos, casas, castelos, sorrisos que ofuscava não que era ofuscado.
Era a saudade de não ter mais saudade. A morte do que nem era mais mim.
Quando percebo estou em um rio, um rio de sangue que me afoga e me mata. A última parte do meu corpo a se afundar foram meus lábios e a primeira parte foram meus olhos.
A foto corria flutuando sobre esse rio vermelho que me matara. Morri sufocada por uma lembrança, um desejo, talvez um momento.

[21/10/2009]

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Jardinagem.

Se perdeu em pernas e braços, abismos, precipícios. Quando anoiteceu, a garoa fria começou a cair nos telhados das casas e umidecia o mato que percorre seu quintal. O tempo estava morno e abafado.
Saiu para ver o mundo e cumprir seus compromissos. Abriu seu guarda-chuva que enroscava em toda esquina que virava, sorria um sorriso aberto, apertava os olhos para desembaçar o que a garoa embaçava e via carros, pessoas e pedras no caminho que a permitiam dançar se pisasse em falso, pois escorregava e deslizava.
Sentou num jardim florido, já havia acabado a primavera, mas as flores continuavam a colorir o dia e a perfurmar as ruas. Admirava as gotículas de água que caíam do céu e que molhavam todo o seu telhado. As pessoas andavam depressa, os carros acendiam seus faróis e seu tempo parecia parado, apenas a perceber o que passava em sua frente.
Sempre que tentava escapar de suas obrigações refugiava-se nesse jardim, via pessoas, movimento e, de certa forma, estava perto de seu porto-seguro. Pensava em sua vida e mergulhava em sua mente.
Se ali as pessoas passavam, dentro dela os momentos vividos vinham e divagava. O que era uma formiga que passava, dentro era um leão prestes a devorá-la.
Seus pensamentos eram formados em uma forma de confortá-la. Pensava no pior para se preparar no que vivia, mesmo que o que viesse fosse algo que lhe confortaria.
Soube aprender. Aprendeu a sentir todos os sentimentos que dentro poderia caber.
Seu jardim interno guardava todas as plantas e flores, que o mais belo jardim pudesse guardar. Eram rosas, orquídeas, comigo-ninguém-pode, bromélias, arruda, pimenta... Mas em si estava na época de coração magoado, que lhe tomava toda.
Sorriu largo, voltou pra casa, abriu a janela e viu a garoa cessar fazendo seu mato crescer.


[e assim perco meu tempo, ganho minha vida e perco aulas de educação]

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fadiga muscular.

E então ela não soube mais o que fazer senão esperar, senão esperar sentada em uma cadeira de aço e plástico, que se houvesse forte calor derreteria e só ficaria o esqueleto de aço da cadeira, a parte que sustentaria seu corpo, o plástico, derreteria e a derrubaria, num tombo que quebraria seus ossos, rasgaria sua pele e queimaria a sensação de segurança que quase a escapara.

Enquanto esperava, divagava em frente a uma caneca de café feito em meia suja, pensava na vida e esperava pelo o que não sabia, apenas esperava - seria a morte? As paredes eram brancas, os livros coloridos e as mensagens pareciam subliminares, tinha ela que continuar esperando algo que não a confortaria? Mas, na dúvida, o plástico ainda a sustentava.

Quando percebeu que algo quente e úmido escorria pelo seu rosto, a aflição de esperar agitou-se em seu peito, demorava tanto para algo acontecer que seus sentimentos não conseguiam mais se esconder dentro da matéria, transbordava, sentimentos esses que cortavam-lhe o músculo central, que esmagavam sua garganta e apagavam-lhe a visão. Ela, sem tempo, pois o seu tempo já havia corrido e passado séculos, tentava insistentemente cavar um buraco para se esconder da vergonha que já sentia, por humilhar a si mesma esperando algo que não esperava por ela. Devido o tempo passado, percebeu: o esperado não a esperava, nem sequer dava sinais de batidas.

Correu em direção ao tempo já corrido, uma corrida em vão, apenas o cansaço das batidas que já não batiam aguçavam os sentimentos da garganta esmagada.

A fadiga aumentava e corria como uma minhoca pelo chão, do aveso, ao contrário. As pulsações já não eram ass mesma, e não sentia-se mais quente, e sim molhada. Sentia no rosto algo úmido e gelado, humilhado e marcado. No peito observou uma fadiga muscular em seu músculo central. Aprendeu a correr e morreu a esperar.

domingo, 4 de outubro de 2009

Pensamentos alheios em uma noite avessa.

O superficial apareceu e bateu em minha porta. Queria apenas uma noite de sono, tranquila, imaginando que poderia haver paz. Mas não, em um momento eu quis abrir a porta, mantive-a fechada. Pelo turbilhão que havia em minha mente, incontrolavelmente abriu-se uma porta, a porta que deixaria o superficial entrar.

Enfim entrou em minha mente, e tudo que eu imaginava era superficial. Mas que bosta! Era tudo um clichê confuso... não sou mais eu, nem meus próprios pensamentos. O ócio mudou-se de repente, transformando minha mente infértil numa grande noite paulistana, não pensaria mais em nada. Superficialmente vivendo estava, estava em pleno declinio. Qual seria o valor disso tudo? (Nenhum!) As luzes brilhavam e pessoas chegavam, dinheiro rolava, minha buceta apertavam, a coca cheiravam, gargalhadas, amizades (?), era festa, em minha cabeça superficial... Passei a noite mais superficial que pude um dia presenciar.

Por um momento de sobriedade, corri com a cabeça contra a parede. Infelizmente, bati bem na parte oca da parede, fazendo cair um pedaço de gesso no chão. Voltei a mim... mas, quem era mim? quem é 'mim'? Pensei em estar com amnésia. Corrida em direção ao banheiro, desespero na procura de frascos de remédios que me ajudassem a voltar a minha realidade. Ofegante estava e confusa que decidi entrar embaixo do jato d´água gelado que caia do chuveiro para ver se algo além poderia me ajudar. Depois de uma hora vi que nada adiantava.

Pensei então em ligar para alguém, mas não havia alguém. Só conhecia eu como alguém. Desesperador.

Deitei no chão da sala, nua. Liguei o ventilador de teto e apaguei a luz. Nenhum sinal de vida, da minha vida. Simplesmente não a tinha.

No chão espero, meus pensamentos não param, minha vida gira com a hélice do ventilador. Ao ver, penso em perseguir o alheio que tranquei para fora, mas o chão me puxa para ma noite sem sol.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Vasculhas.

Era uma noite de verão e não se sabia muito bem o por quê a ardência subia-lhe o corpo. Uma reflexão sem jornadas, ainda assim não entendia a submissão corporal de uma jovem de dezenove anos fresca e com pudores, que estavam a se perder em breve.

Seria uma casa a ser aberta sem chaves e sem permissão, sem lógica total de um abismo que poderia se afundar em breve. Deitou-se na beira de um rio e o calor continuou insuportável como a presença de seres que estavam ali apenas para satisfazê-la, e ela mesma não sabia qual era a satisfação a ser realizada.

Queria mesmo era afogar-se no rio, como Virginia Woolf, enfiar pedras em seu casaco (em seu caso imaginário) e afundar em um rio de águas límpidas e refrescantes.

Mas não podia, era noite, quase manhã de sol, um calor ainda subia pelas suas pernas a chegar em membros em que ainda não conhecia. Começou a conhecer seu corpo através de uma segunda pessoa, que enfiava-lhe a cabeça entre suas coxas e vasculhava um local onde não queria reconhecimento alheio, nem mesmo o seu. Mas era noite, era moça e queria, sim, queria mesmo com medo de apegar-se no que não deveria.

Com os segundos passando, os minutos chegando e a noite não passava, faltava-lhe mais o ar, tentava encher o pulmão e tentava mais satisfazer o segundo, que conheceu há poucas horas. Conheceu o resto do que temia, tentou afundar-se na terra, na lama, num labirinto sem fim, que não pudesse nem mesmo encontrar a si mesma. Era medo, talvez a morte de sua própria personalidade.

O começo era difícil, sentia medo, aflição e gozação, mas era difícil e árduo. Mas o que não sabia é que o final seria mais dolorido.

Além de roubar-lhe o corpo, roubou a alma e sentimentos que o segundo mesmo despertara, agonizante se foi, deixou migalhas e depois o vento e a brisa espalhou por outros campos.

A jovem ficou com a dor que continuou, no começo foi mais fácil, depois a gozação acabou.

Queria ela ser como homens, ah sim, como homens que não medem a fragilidade alheia e não deixam se entregar a qualquer uma que não merece o sua alma, talvez o segundo não merecesse mesmo e por isso não se entregou como ela.

Agora mudou de cenário, deixou a beira do rio pelo cenário urbano, talvez um local frio em baixo de pontes e com barulhos, quem sabe o livro de Carolina Maria de Jesus a ajude em novas experiências.

Talvez a vasculha continue.